Estamos um passo atrás no mercado de hidrogênio, diz Edmar Fagundes de Almeida

Fazer parte do pelotão que comanda a corrida da transição energética é algo que exige muitos exercícios nos bastidores e uma convergência entre departamentos técnica e política.

A busca pelo pódio se intensifica à medida que decisões são tomadas por cada player. Quem sai em vantagem são os países que têm transparência e clareza nas regras internas do jogo, como a regulamentação.

O Brasil perde fôlego diante de Estados Unidos, China e Alemanha, que possuem marcos regulatórios que contribuem para o desenvolvimento do mercado de hidrogênio.

Para alcançar o topo, o Brasil precisa criar uma lei que ajude o país a acelerar e não colocar todo o peso da transição energética na Amazônia, conhecida como pulmão do mundo. É sobre este tema que conversamos com Edmar Fagundes Almeida, professor e pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio. Leia a íntegra:

Qual o principal desafio para o mercado de hidrogênio no Brasil?

Temos alguns problemas que precisam ser superados no Brasil. Primeiro, não existe ainda uma regulação que permita orientar os empresários nos investimentos na área de hidrogênio no país. Então, nós precisamos criar um marco regulatório para o hidrogênio. Esse é um desafio importante.

O fato de não ter um marco regulatório e não ter, por isso, incentivos para fazer projetos de hidrogênio é outra questão. São projetos muito desafiadores e que, em outros países, como os da Europa, os Estados Unidos, os empresários encontram muitos incentivos e apoios, subsídios, para o desenvolvimento desse tipo de projeto.

Outra questão importante é que o Brasil não tem uma cadeia de fornecedores consolidada, porque esse é um mercado muito novo.

Quais as diferenças entre o mercado de hidrogênio nacional e o global?

Em termos de potencial, não há grandes diferenças entre os mercados brasileiro e internacional. O Brasil tem um grande potencial, como também há no Exterior.

A diferença é que nós estamos um passo atrás no desenvolvimento dessa indústria, porque existem, nos Estados Unidos, por exemplo, políticas implementadas para promover o desenvolvimento desse setor. Esta é a principal diferença.
Aqui no Brasil, por outro lado, nós temos um potencial de energia renovável mais estabelecido, porque nós temos uma indústria elétrica já descarbonizada. Em 2022, cerca de 93% da energia elétrica gerada veio de fontes renováveis.

A nossa energia elétrica da rede já pode ser utilizada para a produção de hidrogênio verde. Isso é uma vantagem do Brasil em relação a outros países que precisam desenvolver projetos de renováveis dedicados para a indústria.

Como tornar o comércio de hidrogênio mais competitivo?

Do ponto de vista de desenvolvimento de mercado no Brasil, é muito importante que o governo se atente para o potencial do uso doméstico do hidrogênio, porque o hidrogênio tem um valor muito grande quando ele é produzido dentro das fábricas.
Deste modo, é possível aproveitar o oxigênio, não precisa transportar o hidrogênio. Ele pode ser usado diretamente nos processos para a descarbonização desses processos.

O Brasil precisa cuidar do uso do hidrogênio no mercado doméstico, e não apenas olhar para a exportação.

Há muitos projetos aqui pensando na exportação e pouca atenção para o potencial do mercado doméstico. Isso é um desafio importante para o desenvolvimento do mercado no Brasil, porque a exportação vai competir com a de muitos outros países, enquanto no mercado doméstico você tem um potencial que deve ser aproveitado.

Como exportar hidrogênio de baixo carbono sem abrir mão do mercado doméstico?

É importante focar nas políticas de incentivo. Por exemplo, focar nas políticas do uso do hidrogênio no Brasil, na indústria brasileira ou para produzir produtos aqui no Brasil, não para exportação pura e simples. Claro, a gente não exporta hidrogênio, é muito difícil exportar molécula de hidrogênio, mas você pode exportar, por exemplo, amônia.

É necessário ter um debate sobre como priorizar políticas de incentivo, principalmente para focar nas empresas que vão desenvolver projetos em pequena escala.

Como baratear a produção de hidrogênio de baixo carbono?

Um dos principais focos para a política seria criar financiamento para projetos de plantas-piloto na indústria, apoiando esses projetos para o mercado nacional deslanchar, inclusive com desenvolvimento da cadeia de fornecedores aqui no Brasil. Sem desenvolver projetos, fica muito difícil dar esse passo inicial. Por isso, a questão do foco da política é muito importante. Então, um dos temas é o governo criar não apenas o marco legal, mas criar políticas e incentivos concretos.

Neste momento em que as fontes fósseis seguem como essenciais para a manutenção da indústria, qual a importância do hidrogênio no processo de transição energética?

O hidrogênio será fundamental na transição energética, porque tem várias aplicações de energias fósseis que não são possíveis de descarbonizar simplesmente através do uso ou de biocombustíveis. Porque o país não tem o volume suficiente, ou através da eletricidade renovável, da eletrificação.

Por isso que, para a descarbonização, em alguns setores, vai ser necessário usar o hidrogênio diretamente ou como intermediário para produzir combustíveis sintéticos – por exemplo, setor de aviação, transporte marítimo e alguns setores industriais que precisam de calor em altas temperaturas.

Qual a importância da infraestrutura de transporte e logística para o mercado de hidrogênio?

A infraestrutura de transporte e logística é muito importante para o mercado de hidrogênio. Primeiro, porque o custo de transporte de hidrogênio é muito alto. O hidrogênio é uma molécula de gás muito leve, é preciso comprimir o hidrogênio e transportar por gasodutos, na forma comprimida ou na forma liquefeita. É por isso que é muito importante a questão da infraestrutura de transporte. Então, tem todo um debate sobre como desenvolver infraestrutura de transporte do hidrogênio, misturado com gás natural ou através de logística dedicada para o hidrogênio.

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