Tecnologias de trens a H2V virão para o Brasil, diz Vicente Abade

A aceleração da transição energética segue diversos trilhos internacionais para atingir um objetivo: frear o aquecimento global. Um dos setores que movem o processo de descarbonização econômica é o de Transportes.

Tecnologias que tornam o deslocamento de pessoas por trens movidos a hidrogênio verde estão no radar do Brasil, segundo Vicente Abade, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).

O executivo afirma que o setor ferroviário utiliza diversas fontes de energias renováveis e que o foco do mercado brasileiro está nas ODS. Leia a entrevista completa.

Como a indústria ferroviária atua no processo de transição energética no Brasil?

A indústria ferroviária brasileira está trabalhando fortemente para colaborar com a melhor transição energética no país, através da aplicação direta de energias renováveis em seus equipamentos. Em 2020, uma de nossas associadas fabricante de locomotivas, a Progress Rail (PR), entregou à Vale uma locomotiva de manobra 100% a bateria e já a exporta para os Estados Unidos. A PR e a outra fabricante nacional (Wabtec) já estão realizando testes na Califórnia em locomotivas híbridas de linha, com célula de hidrogênio.

Como a indústria ferroviária avalia a utilização de fontes de energia renováveis? Existe algo já presente no setor, como o uso de hidrogênio verde, por exemplo?

Os trens de passageiros movidos a hidrogênio verde já são uma realidade de nossas associadas na Europa (Trens Regionais da Alstom) e na Coreia do Sul (VLT- Veículo Leve sobre Trilhos da Hyundai Rotem), cujas tecnologias certamente serão trazidas ao Brasil, na medida em que evoluir a produção de hidrogênio verde em nosso País.

Mesmo os fabricantes de vagões de carga, cujos equipamentos são tracionados – portanto não passíveis de geração direta de energias renováveis – conseguiram comprovar uma eficiência energética de 3,5% através de ensaios dos vagões em túnel de vento. Assim, a ABIFER e suas associadas estão com foco permanente no atendimento às 17 ODS da ONU.

A ABIFER tem conversas com o governo sobre subsídios para a transição energética?

Temos um arcabouço legal que vem sendo construído desde o governo Temer, com a criação do PPI – Programa de Parcerias de Investimentos, de 2016, que qualificou projetos de Renovações Antecipadas e Leilões de Concessões de Ferrovias, continuou no governo Bolsonaro, através do lançamento em Setembro/2021 do Programa Pró Trilhos, que criou as Autorizações Ferroviárias, e chega ao governo Lula com a ratificação desses projetos pelo Ministro Renan Filho, em princípio.

Já foram feitas quatro Renovações Antecipadas por 30 anos adicionais, cujos contratos foram assinados em 2020 (Rumo Malha Paulista, EFVM e EFC da Vale) e em 2022 (MRS). Estamos próximos da realização de uma Audiência Pública da FCA (VLI). Já a Rumo Malha Sul está em análise pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Qual o valor movimentado pela indústria ferroviária no Brasil no ano de 2022?

Usualmente medimos nossa performance através de volumes físicos de veículos produzidos e entregues – e não de seu faturamento. No caso de trens de passageiros, tivemos produção zero nos últimos 10 anos, por falta de investimentos públicos e privados. Porém, a partir de 2023, teremos volumes da ordem de 250 carros anuais por cerca de quatro anos, decorrentes de exportações da Alstom para Taipei, Bucareste e Santiago, além de entregas no mercado doméstico para a Via Mobilidade (Linhas 8 e 9 da CPTM) e para a Acciona (Linha 6 do Metrô de São Paulo).

Qual a expectativa de movimentação para este ano de 2023 e para 2024?

Em locomotivas, os volumes serão de 30 a 60 unidades anuais no mesmo período. Já em vagões de carga, os volumes vêm crescendo timidamente, mas de forma consistente, desde 2020. Alcançaremos entre 3 e 4 mil unidades por ano a partir de 2025. Em 2020 foram 1.006 unidades, 1.700 em 2021, 1.800 em 2022 e previsão de 1.200 em 2023.

Os investimentos previstos nas Renovações Antecipadas são da ordem de R$ 60 bilhões ao longo dos 30 anos adicionais, sendo que cerca de 80% deles serão nos primeiros cinco a dez anos.

Dos três leilões qualificados pelo PPI, dois já ocorreram. O do Tramo Central da Ferrovia Norte-Sul (vencido pela Rumo) e o da FIOL 1 (vencido pela Bamin, entre Caetité e Ilhéus). Falta o da Ferrogrão, ora em processo de destravamento no Conselho Arbitral do STF. Serão cerca de R$ 50 bilhões de investimentos.

Quais os entraves para a expansão de ferrovias no Brasil?

A indústria ferroviária brasileira tem experimentado um elevado grau de ociosidade nos últimos anos, que gerou a perda de cerca de 4 mil colaboradores (de uma massa total de 20 mil), que esperamos recuperar com os projetos existentes. Consideramos o setor ferroviário e sua indústria extremamente promissores, além de estratégicos.

Qual a sua avaliação sobre o potencial da infraestutura sustentável em relação à abertura de novas oportunidades de negócios?

Já foram assinados 40 contratos de Autorizações Ferroviárias e outras 50 solicitações encontram-se em análise na ANTT. São esperados entre R$ 150 bilhões e R$ 300 bilhões na construção de 10 mil a 20 mil km de novas ferrovias pelas empresas Autorizatárias (particulares autorizados pelo Estado, através de licitação, para prestar serviço publico), muitas delas chamadas de Short Lines. Todos estes projetos contribuirão para dobrarmos a participação do transporte ferroviário de cargas, dos atuais 20% da matriz nacional de cargas, para 40% até 2035, segundo o PNL da Infra SA, vinculada ao Ministério dos Transportes.

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