Roberto Teixeira da Costa

Petrobras: sociedade de capital aberto ou empresa estatal?

Nos últimos anos frequentemente nosso noticiário vem, quer na área política ou econômica, debatendo temas sobre a Petrobras em torno de sua governança,  política de investimentos, indicações de seus gestores e, ultimamente, sobre sua  política de distribuição de resultados.

Ao longo desse período podemos registrar um conflito permanente entre a influência de seu maior acionista, o Estado brasileiro, e seus acionistas privados. Vale registrar que um percentual relevante dos acionistas são investidores estrangeiros com mais de 25% do total e, portanto, muito atentos à sua governança.

Esse conflito permanente entre seu acionista majoritário e sua influência no processo de gestão da empresa nem sempre está alinhado aos interesses de seus acionistas minoritários. Recentemente publiquei no Estado de São Paulo dois artigos que direta ou indiretamente fizeram referência à Petrobras. No primeiro cobri o tema do papel do Conselho de Administração de uma sociedade de capital aberto quando ressalto que, durante seu mandato, os conselheiros dessa sociedade não devem privilegiar o interesse dos acionistas que os indicaram, mas sim os interesses da sociedade que nem sempre são convergentes.  Em publicação mais recente no mesmo jornal publiquei artigo sobre a política de dividendos das companhias abertas alertando que essa política é certamente um dos pilares mais relevantes na atuação do Conselho. Novamente alertei que essa fixação deve contemplar os interesses da sociedade no curto-médio-longo   prazo.  Não havendo necessidade imediata de uso do excesso de caixa deveria ser destinado aos acionistas. Muitas empresas com quem convivi no passado argumentavam que no futuro o excedente de caixa deveria ser mantido para eventuais diversificações. Sempre defendi que, se no futuro fosse identificada a necessidade de capital, os acionistas minoritários poderiam atender as chamadas de capital.

Voltando ao início do artigo, pesquisando meus arquivos encontrei uma longa entrevista concedida ao jornalista José Fucs da Revista Época em 2014, portanto, há quase 10 anos.  Vivíamos na ocasião o escândalo da Petrobras que foi tema central da matéria. Não entanto, transcrevo a seguir duas perguntas do jornalista quando deixei claro o meu pensamento a respeito, e que não perderam a sua atualidade

ÉPOCA – A sensação é de que, só depois que a SEC e o Departamento de Justiça dos EUA anunciaram suas investigações é que a CVM anunciou que havia solicitado esclarecimentos à  Petrobras sobre o assunto. Como isso estourou durante a campanha eleitoral, a impressão é que a CVM evitou dar publicidade ao Petrolão para evitar estragos na candidatura de Dilma. O que o senhor acha disso?

Teixeira da Costa – Se alguém me perguntar quais foram as maiores dificuldades que eu tive no meu primeiro mandato como presidente da CVM, eu diria que a maior delas foi o relacionamento com o Banco Central, que queria manter a CVM como um órgão subserviente. Outra dificuldade grande foi o relacionamento com as empresas públicas negociadas em Bolsa. Existiam pessoas dentro do governo que diziam que não poderíamos colocar sub judice empresas com um papel um tão relevante na sociedade e na economia brasileira.  Quando o Eliezer Batista era presidente da Vale, encontrei-me com ele e enfatizei na ocasião que não era possível que algumas pessoas tivessem acesso aos números da companhia antes de serem divulgados ao público. A partir daí, a Vale começou a controlar melhor as suas informações. O relacionamento do órgão regulador com as empresas públicas, num país em que o Estado tem uma participação tão forte na economia, como o Brasil, é sempre muito difícil. Agora, eu acredito que a CVM tem usado esse poder. Talvez ela não tenha transmitido isso adequadamente, revelado o seu nível de atuação, porque sempre existe o temor de que suas iniciativas possam criar um atrito adicional, em vez de resolver o problema.

Época – Como vão ficar os acionistas minoritários da Petrobras?

Teixeira da Costa – A pergunta que se deve fazer é se uma companhia que tem acionistas minoritários pode usá-la para fazer políticas públicas. Pode uma companhia como a Petrobras, com a relevância que tem no cenário nacional e internacional, ter os seus postos de comando usados politicamente e não eficientemente, com as melhores pessoas na gestão? Eu diria que não. Não quero dizer com isso que, no PMDB e no PSDB, não existam pessoas competentes para preencher esses cargos. Nada me impede de pensar que dentro do PT haja engenheiros com capacidade de se tornar diretores da Petrobras ou do Banco do Brasil. Agora, não isso não significa que o governo pode fazer a indicação política de pessoas que vão lá para usufruir do cargo.

Há dez anos eu disse para o José Sergio Gabrielli (então presidente da empresa) que a Petrobras deveria considerar seriamente a possibilidade de fechar o capital. Ou ela caminharia para fechar o capital ou então para ser totalmente privatizada, porque usar uma companhia que tem acionistas públicos para atender aos interesses do controlador é algo

conflitante. Isso é uma questão sobre a qual não há o que discutir. Agora, todo investidor que comprou ou vendeu ações sabia que isso era a realidade. Quem comprou ações da Petrobras sabia que havia esse loteamento dos cargos de diretoria. O que não se sabia é que as pessoas usavam esse poder para desviar recursos da companhia. Eu, inocentemente, achava que isso era uma maneira de o sujeito ter um salário, um poder e não usar o cargo da maneira que está aparecendo agora.

Especificamente, na referida transcrição deixei claro o cerne da questão. Ao responder questões de 10 anos atrás, portanto em 2004, já havia levantado o assunto com o então presidente da empresa: o fechamento do capital da Petrobras.

Realisticamente, o custo de uma oferta pública para o Estado fechar o capital da empresa seria colossal. Assim inexiste alternativa a não ser a de tratar a Petrobras como uma corporation de fato, ou seja, que seus interesses sejam aqueles defendidos pela maioria de seus acionistas e não pelos interesses momentâneos de um acionista por maior que seja sua participação votante.

Em termos comparativos, em 31/12/2014 o valor dos minoritários na participação de capital da Petrobras, seria de R$ 90 bilhões, ou ao dólar da época U$ 34 bilhões (metade do valor acima). Hoje esse valor seria de US$ 73 bilhões!!

Roberto Teixeira da Costa

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