Marcelo Parodi

O voto verde

A população dos mais diversos países está cada vez mais consciente do impacto das mudanças climáticas. As pessoas estão sentindo na pele, literalmente, as ondas de calor extremo, as chuvas torrenciais, os vendavais repentinos e os apagões de energia subsequentes. Um sentimento de “novo normal” parece estar agoniando o consciente coletivo: situações climáticas extremas se manifestarão com frequência cada vez maior.

A pesquisa “Global Views on Climate Change”, divulgada recentemente pelo Instituto Ipsos, nos mostra que no Brasil 79% dos entrevistados consideram que os efeitos das mudanças climáticas já ocorridas são severos. Somente o México apresenta percentual maior (81%), sendo a média mundial de 57%. Adicionalmente, 61% dos brasileiros estão inseguros com relação às mudanças climáticas, e preveem uma piora da situação nos próximos anos.

Essa conscientização climática coletiva certamente terá seus reflexos nas urnas. Para serem (ou se manterem) eleitos, os políticos terão que demonstrar uma sincera preocupação sócio-ambiental, e propor ações concretas (e convincentes) no sentido de reverter todo esse sentimento de insegurança e ceticismo em relação ao futuro da condição humana neste planeta.

A descarbonização da economia é a maior arma de que a humanidade dispõe para reverter (ou ao menos retardar) o processo em curso de aquecimento global. Contudo, o que é único no caso brasileiro e deveria ser rapidamente compreendido pelo Legislativo e pelo Executivo é que, simultaneamente à preservação da Amazônia e a regressão do desmatamento, nós temos a possibilidade de reinventar, de imediato, boa parte da nossa atividade produtiva.

O Brasil já dispõe de uma matriz energética limpa (90% da energia elétrica consumida é proveniente de fontes renováveis), e isso nos possibilita utilizar, imediatamente, a energia do sistema interligado para produzir hidrogênio de baixo carbono, sem a necessidade do investimento e do tempo de construção de novas usinas eólicas ou solares. Devemos ser o único país do mundo nessa situação.

O hidrogênio de baixo carbono pode ser aplicado na descarbonização da indústria siderúrgica e cimenteira, na mineração e em vários outros setores. Ele pode também ser transformado em amônia e utilizado na produção de fertilizante verde. A competitividade de exportação do agronegócio brasileiro, que já é brutal, seria simplesmente imbatível se pensarmos no “agro carbono-zero”. E isso sem mencionar o potencial da exportação do hidrogênio em si, seja comprimido ou sob a forma de amônia.

E como o Estado brasileiro tem se posicionado diante de tudo isso? Infelizmente parece que a ficha ainda não caiu.

O Congresso recentemente adulterou o Projeto de Lei sobre geração de energia eólica offshore (no mar), inserindo um bando de jabutis totalmente contrários ao tema, como a obrigatoriedade de contratação de usinas termelétricas a gás (e sem teto de preço!), e a postergação da geração de energia a carvão até 2050. Tudo para atender aos interesses de grupos específicos. Além do custo de bilhões de reais anuais para a sociedade (sim, tudo isso vai cair na nossa conta de luz), teremos também bilhões de toneladas adicionais de CO2 para limpar no futuro.

O governo, na mesma sintonia, anunciou a taxação de veículos elétricos/híbridos importados já a partir de janeiro/24, atendendo à choradeira da indústria automotiva nacional, que não consegue competir com as montadoras chinesas nesse segmento. E justamente no momento em que os veículos elétricos/híbridos ganham tração no mercado brasileiro, com crescimento recorde de 112% nas vendas nos últimos doze meses.

E ainda temos a polêmica discussão sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas, quando deveríamos estar discutindo sobre a alocação desses recursos na produção de mais energia renovável e de hidrogênio verde.
Fica a esperança de que políticos inteligentes capturem e explorem essa realidade, mesmo que por puro interesse eleitoral. O Brasil sairia ganhando, de qualquer forma.

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