Marcelo Parodi

No Brasil, o jogo da economia verde já começou

A descarbonização elétrica da atividade econômica teve início no Brasil há mais de duas décadas. Fazendo uso da liberdade de escolha proporcionada pela abertura do mercado livre de energia (regulamentado em 1995) e dos avanços regulatórios subsequentes (criação do Autoprodutor de Energia e da atividade de GD – Geração Distribuída), empresas dos setores industrial, comercial e de serviços passaram a adquirir livremente energia renovável, proveniente majoritariamente de parques eólicos e solares. A fonte hídrica recentemente passou a participar desse mercado, conjugada com o surgimento dos I-REC (Certificados Internacionais de Energia Renovável). É importante lembrar da energia gerada pela queima da biomassa de cana-de-açúcar, que transformou as usinas em agentes participantes do mercado livre também há bastante tempo.

Tudo isso aconteceu de forma serena, como consequência da atuação de forças econômicas irrefutáveis: abundância de recursos naturais (vento, sol, água e biomassa), marco regulatório inteligente (“competição onde possível, regulação onde necessário”), competitividade da geração eólica (ganho de escala e produção local) e solar (redução do custo dos painéis fotovoltaicos). O espírito inquieto dos empreendedores e empresários locais também estava presente, e eles enxergaram antecipadamente os benefícios econômicos e sociais da transição energética. Saíram na frente.

Outro vetor fundamental foi a disponibilidade de recursos financeiros. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BNB (Banco do Nordeste) desempenharem papel vital ao longo de todos esses anos, como grandes financiadores dos projetos de geração renovável.

A próxima etapa desse jogo econômico será atrair, para o nosso tabuleiro, players do setor produtivo global, e a disputa geopolítica em curso pode nos favorecer.

Parte do capital ocidental voltou a ser alocado nos EUA, ou está se movendo para lugares como México e Índia, que atraíram no ano passado quatro vezes mais investimentos em novas fábricas e escritórios do que a China, de acordo com a UNCTAD (órgão da ONU sobre comércio e desenvolvimento).

A América Latina, África e alguns países da Ásia respondem agora por 36% do comércio total chinês, comparado a 33% do seu comércio com EUA, Europa e Japão, segundo um estudo do jornal “The Wall Street Journal”.

A financiabilidade, que nasceu local, agora é global: o Tesouro Nacional realizou no último dia 13 a primeira emissão de títulos sustentáveis no exterior (“green bonds”), no valor de USD 2,0 bilhões, e a demanda superou duas vezes a oferta. Os recursos serão destinados a ações que impulsionem a sustentabilidade e contribuam para a mitigação de mudanças climáticas, para a conservação de recursos naturais e para o desenvolvimento social.

O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) também manifestou recentemente sua estratégia de promover investimentos na América Latina com foco em infraestrutura e energia limpa. Vale lembrar que o BID é atualmente presidido por um brasileiro (Ilan Goldfajn).

Além da matriz energética limpa, o Brasil tem a sorte de dispor dos recursos minerais necessários para a transição energética (lítio, níquel, cobre, alumínio), e estar distante geograficamente dos conflitos bélicos em curso. Tudo isso sem mencionar a relevância do nosso mercado consumidor e da nossa estabilidade político-democrática.

O somatório desses fatores coloca o Brasil numa posição única para atração de players globais interessados na produção “verde”, tanto de insumos que serão utilizados na cadeia produtiva subsequente (como minérios e metais), quanto do produto industrial final.

A montadora chinesa GWM (Great Wall Motors) anunciou investimentos de USD 1,9 bilhão no Brasil (São Paulo), e a BYD (Build Your Dreams), também chinesa e maior fabricante de veículos elétricos do mundo, está investindo USD 600 milhões para iniciar a produção de seus carros no país, através da antiga fábrica da Ford na Bahia.

Parece que os primeiros lances nesse tabuleiro já estão sendo dados.

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