Gesner Oliveira

Mitos sobre a privatização da Sabesp

Os ganhos associados à privatização da Sabesp da forma proposta pelo governo do Estado de São Paulo parecem claros e podem ser resumidos no tripé investimento, inovação e agilidade para crescer.

A proposta contém aumento de investimento de R$ 56 bilhões para R$ 66 bilhões, permitindo antecipar em quatro anos a meta de universalização ampla de 2033 para 2029. Além disso, confere mais agilidade para que a companhia faça parcerias para inovar e competir pelos mercados de igual para igual com as plataformas privadas que hoje ameaçam a liderança histórica da Sabesp.

No entanto, pelo menos cinco argumentos contrários à privatização da estatal paulista vêm sendo mencionados: o mau exemplo do apagão em São Paulo, cuja concessionária privada de energia é a Enel, uma suposta tendência à reestatização do saneamento, o fato de a Sabesp ser uma empresa lucrativa e supostamente capaz de universalizar os serviços, de a regulação do setor ser fraca e de o Estado reduzir o seu patrimônio em benefício do setor privado.

Trata-se, decerto, de preocupações relevantes, mas nenhuma delas resiste a um exame mais aprofundado.

Em primeiro lugar, em relação à comparação com a Enel: criticar a privatização da Sabesp pelos problemas com o apagão recente na cidade de São Paulo não faz o menor sentido. Trata-se de outro setor com outro regulador e em outra esfera de governo, a federal. Isso não quer dizer que não tenha havido problemas inaceitáveis que precisam ser corrigidos mediante aprimoramento contratual, fiscalização rigorosa, coordenação com a prefeitura, planos de contingência, entre outros pontos. Mas atribuir o problema ao fato de a concessionária ser privada não tem fundamento. Afinal, as cinco melhores empresas no ranking de performance da Aneel são privadas.

A alegação de que os serviços vão piorar com o controle privado não encontra respaldo na literatura científica. Exemplo disso é um artigo de 2023 dos pesquisadores Joelson Sampaio, Rodrigo De-Losso, Vinícius Augusto Brunassi e Arthur Dassan na Revista ROUTLEDGE EDUCATION que mostra melhora de indicadores de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto com a troca de operadores públicos por privados.

Em segundo lugar, em relação à suposta tendência à reestatização, uma análise criteriosa da literatura não autoriza qualquer conclusão de alegada reestatização, conforme estudo que realizamos e que pode ser acessado aqui.

As evidências apontam para:
• número pequeno de casos: 23 por ano no período 2005 a 2015 contra milhares de municípios
• na maior parte os contratos cumprem seu ciclo de vida tendo cumprido o essencial ao constituir a rede de infraestrutura de saneamento
• os problemas estão relacionados ao desenho contratual, falhas na regulação que precisa ser independente e transparente

Em terceiro lugar, o fato de a Sabesp ser superavitária não viabiliza a universalização abrangente e acelerada que é necessária para o Estado.

Em quarto lugar, embora a regulação tenha muito a melhorar no Brasil, a Arsesp no Estado de São Paulo é uma das melhores agências do país. Além disso, o novo marco do setor prevê uma supervisão regulatória da ANA. Naturalmente, nada impede, antes pelo contrário, que aqueles que hoje se opõem à privatização da Sabesp apoiem projetos para fortalecer as agências reguladoras tornando-as entidades com excelência técnica, independência e transparência.

Em quinto lugar, o Estado não irá perder patrimônio com a venda da companhia. Outros exemplos de privatização indicam que o valor da ação da empresa pode quadriplicar em um período de vinte anos. O governo estadual possui 50,26% das ações da Sabesp atualmente: se ficar com 30% e a tendência de valorização for confirmada, o governo estadual irá aumentar seu patrimônio em cerca de 60%. Portanto, o Estado, mesmo renunciando à parte de suas ações, poderá receber mais dividendos do que recebe hoje, mesmo com uma parcela menor de ações.

A privatização da Sabesp é fundamental para a companhia universalizar o saneamento no Estado antes do previsto no novo marco do saneamento. A população não pode esperar até 2033, se há meios de acelerar o acesso a água tratada, à coleta e ao tratamento de esgoto – não há por que esperar. Até hoje, o maior manancial do Brasil foi a nossa incompetência em garantir acesso ao saneamento e esse manancial é o único que devemos secar para que possamos garantir dignidade a milhões de brasileiros e, em particular, aos paulistas, que vivem no Estado mais rico do país sem acesso ao mínimo.

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