Frequência dos eventos extremos aumentou É o que afirma Patrícia Diehl Madeira, CEO da Climatempo

A onda de calor que atingiu parte do Brasil em novembro, em especial a região Sudeste, foi considerada atípica pela sua intensidade e duração. Ou seja, as temperaturas foram mais elevadas que em fenômenos anteriores e o evento se prolongou por mais dias. Novas ondas devem marcar o verão, mas algo similar ainda não está completamente no radar.

Patrícia Diehl Madeira, CEO da Climatempo, explica que essa onda recente é ligada ao El Niño, que deve ganhar força até dezembro. Com eventos como esse, é hora de calcular quais podem ser os efeitos em diferentes setores da economia. Também é preciso pensar nos possíveis impactos desse fenômeno. Um deles foi o impacto nos preços de energia. “Quando a gente no começo de agosto, setembro, diziam que podia zerar a chuva que o preço da energia não sairia do piso. Como a meteorologia é criativa, veio a onda de calor e o PLD saiu do piso”, disse.

O PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) serve de referência para a liquidação dos contratos no mercado livre de energia. Seu piso é de R$ 69,04, mas a onda de calor anterior, que ocorreu em setembro, e a seca nos reservatórios do Norte fizeram esse preço saltar em apenas algumas semanas.

Essa onda de calor é efeito do El Niño, que é o aquecimento das águas do Oceano Pacífico. Já o La Niña é o resfriamento dessas águas. Esses fenômenos são cíclicos e podem durar até sete anos, mas a CEO da Climatempo afirma que os períodos estão ficando mais curtos.  Confira a entrevista.

O que tem ocorrido de diferente que justifique essa onda de calor pela qual passamos?

Tivemos anos muitos ruins (de precipitações) de 2014 a 2021. Tudo isso se reverteu em 2022. De 2022 para 2023, tivemos um verão muito efetivo e a recuperação dos reservatórios. O Norte não estava tão ruim, mas é uma região com muita variabilidade. O Sul estava reagindo. Quando a gente conversava com o pessoal (????? Quem??????) no começo de agosto, setembro, diziam que podia zerar a chuva que a PLD não ia sair do piso. Como a meteorologia é criativa, veio a onda de calor e o PLD saiu do piso. Hoje o foco, quando se fala de energia, está muito nisso, na carga de energia e em outras possíveis ondas de calor.

E quais as previsões sobre isso? Vamos ter novas ondas de calor?

Essa onda de calor de novembro terminou. Foi bem atípica a extensão dela. Um pouco mais de dez dias com temperaturas extremas no Sudeste, Centro-Oeste e parte do Nordeste. Daqui para frente, vamos ter outros dias com temperaturas acima de 40°C, mas não com essa longevidade. Serão dias quentes e logo depois entra uma frente fria, com chuva e queda da temperatura. Vamos ter muita variação de temperatura. O El Niño traz isso para o Sudeste, mas não vamos ter ondas de calor extensas até janeiro. Em fevereiro, existe uma possibilidade de ocorrer novamente. Isso porque pode ter um bloqueio atmosférico. Mas isso é uma possibilidade por enquanto.

E com relação ao regime de chuvas? Há alguma preocupação?

A expectativa no Sul, com o El Niño, é normal que chova muito na Primavera e reduza um pouco no Verão. Quando falamos de energia, a preocupação está com o nível nas bacias do Baixo Paraná e Iguaçu. Mas essa região ainda vai ter bastante chuva em dezembro. A chuva começa a ficar mais concentrada no Sudeste e indo para o Norte e Nordeste. O Norte é a maior preocupação. O Nordeste atualmente é mais dependente do sol e vento. Para o Norte, essas chuvas vão favorecer as bacias do Tocantis e Madeira. Fevereiro deve ser o melhor mês no Norte do Brasil. O São Francisco também deve ser beneficiado se chover bastante na região do Alto São Francisco.

Tudo isso é por conta do El Niño?

O El Niño atinge seu ponto máximo em dezembro. Tem gente falando que é um Super El Niño, mas ainda não é. O El Niño é uma variação de temperatura no meio do Pacífico, na altura da linha do Equador. Está em 1,8°C e deve chegar a 2°. Isso é forte, mas ainda não é super forte. A expectativa é que em março já esteja terminando. É um ciclo que começou no final do inverno.

Quais os impactos em relação à agricultura?

No Sul é época de plantio. Atinge o milho, a soja, o arroz. Toda essa fase de plantio vai ser afetada. O solo está muito encharcado. O volume de chuva no Rio Grande do Sul vai diminuir. Mas vai ter um impacto, um atraso no plantio. De forma geral, a situação vai melhorar. A questão toda é que essa onda foi muito extensa. Vai ter replantio ou um atraso, mas não deve ter quebra de safra. A expectativa é de chuvas regulares em dezembro e janeiro. Para a agricultura, é uma situação bem favorável. Mas tem coisas pontuais, com o Nordeste mais prejudicado (menos chuvas), mas é uma região com mais irrigação, que está mais acostumada com sazonalidade de eventos.

Vamos ter de lidar mais vezes com esses extremos?

O que tem acontecido é que o El Niño e a La Niña têm ciclos grandes. Eles sempre aconteceram, mas era mais longo, sete anos. Há uns 20 anos, começou a ficar em uns três, cinco anos. Viemos de três anos de La Niña. Agora estamos em um El Niño e a expectativa é que no próximo anos já tenhamos um La Niña novamente. Essa variabilidade está mais dinâmica. Entre as causas possíveis disso estão as mudanças climáticas, o aquecimento dos oceanos. Mas tudo isso ainda é objeto de estudos. Agora, os eventos extremos, como a chuva intensa em São Paulo no início de novembro, vão ficar mais frequentes e isso já é resultado das mudanças climáticas. A frequência dos eventos extremos aumentou muito. Não é normal uma onda de calor com mais de dez dias. Pode ter também ondas de frio muito mais intensas, secas mais intensas, ventos mais intensos.

Como se preparar para eventos mais intensos?

Tudo passa por essa COP (28ª edição da Conferência das Partes, entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro). A gente precisa de alguma forma reduzir as emissões dos gases de efeito estufa e com isso voltar a desaquecer o planeta. Pessoalmente, o que eu posso tomar de providências? É tudo ligado à sustentabilidade, a essa questão do uso do plástico, do cuidado com o meio ambiente, com reciclagem. Tudo isso está dentro do que podemos fazer para conseguir a reversão (do aquecimento). A gente já está chegando a esse ponto de não-reversão para alguns fenômenos. O desmatamento é muito sério. Tudo entra nessas questões. De uma forma geral, nós temos que fazer o papel de economizar o planeta.

O que temos que destacar nesse momento?

A gente está vivendo um momento extremo com as ondas de calor, com as chuvas no Sul do Brasil. Porto Alegre ficou embaixo de água. A gente tem visto cada vez mais esses eventos extremos. No começo do ano passado, a região serrana do Rio sofreu muito. Ainda há muito a ser feito para tornar as cidades mais resilientes (a esses eventos extremos).

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