Paulo Mayon

É uma pedra ou um urso? As liminares “limpa-nome” pioram o ambiente de negócios

Nas últimas décadas, com o avanço da tecnologia e o aumento da capacidade de processamento, os serviços de análise de crédito, “compliance” e geração de “leads” de vendas tiveram um crescimento exponencial.

A tecnologia permitiu um alcance mais amplo na busca de dados públicos e uma razoável redução no custo da sua obtenção.

Existem à espera de um “click” bilhões de dados públicos disponíveis em tribunais, cartórios, sítios das três esferas de governo, redes profissionais e sociais, além dos ambientes mais respeitados de notícias.

A captura, organização e interpretação desses dados vem sendo muito útil para várias cadeias setoriais. O que antes era quase uma obrigação das instituições financeiras, é hoje uma oportunidade para toda e qualquer indústria que queira conhecer com mais profundidade suas contrapartes comerciais. Nessa missão, clientes e fornecedores são usualmente os objetos de maior busca e aprofundamento.

Nosso país tem uma lei de acesso público à informação e, no mundo corporativo, a ênfase na transparência ativa como forma de boa governança traz cada vez mais valor para as empresas que oferecem publicamente maiores informações quantitativas e qualitativas sobre sua atuação.

Ocorre que, na mão contrária a tudo isso, recentemente, estamos observando com certa incredulidade um aumento exponencial de liminares (decisões provisórias) concedidas pela justiça brasileira para que seja vedado o acesso às informações das empresas impetrantes. Em outras palavras, os que pedem essas liminares, quando acatadas, reduzem a transparência de parte importante de seus dados.

O pior é que, com esse instituto, as consultas que checam protestos, processos e atrasos em pagamento a fornecedores voltam como se a empresa estivesse em dia com suas obrigações.

Mesmo que o consultante descubra a existência de tal liminar, ele irá lidar com total ausência das informações.  Dessa forma terá alternativamente dois comportamentos: interromper a relação comercial com a empresa, ou entrar em contato com ela para entender o porquê desse tipo de liminar.

Essa nova “moda” tem sido utilizada por pessoas físicas e jurídicas de forma contínua. Já existem “outdoors” em algumas cidades, anunciando o serviço de “limpar o nome”, através desse expediente. Só para colocar números nesse cenário, a indústria “limpa-nome” até outubro de 2023 já oculta aproximadamente R$ 20,4 bilhões em protestos dos sistemas de busca mais conhecidos, como Serasa, SPC Brasil e o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB). Só em São Paulo, até o mês passado, mais de 745 mil protestos foram retirados do ar por força de decisão judicial — 512 mil envolvendo empresas e 233 mil CPF.

Trata-se de mais uma jaboticaba brasileira, desafiando as melhores práticas de avaliação de risco e aumentando o custo e trabalho envolvido na busca e entendimento do que está por trás dessas liminares. E, pior, aumenta a sensação de potencial fragilidade da contraparte, o que reflete em redução de limites transacionais e, portanto, da própria atividade econômica.

Como diz o autor, estatístico e trader de opções, Nassim Taleb: “É difícil confundir um urso com uma pedra, mas é possível confundir uma pedra com um urso” (livro “Antifragile: Things That Gain from Disorder”).

Naturalmente o mercado ou será devorado pelo urso ou se protegerá dessa chuva de liminares, tomando medidas restritivas quando a pedra estiver com um “jeitão” de urso.

Paulo Mayon _ Fundador e Líder de Inovação na Risk3 – Tecnologia em Análise de Crédito

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