Marcelo Parodi

Brasil não corre risco de crise que atingiu mercado de energia na Finlândia, garante CCEE

O Brasil está às vésperas de tornar o mercado livre de energia mais competitivo. A partir de janeiro de 2024, todos os consumidores de eletricidade que são atendidos por alta tensão vão poder escolher quem será o fornecedor de energia elétrica da mesma maneira como definem os provedores que contratam para ter acesso a linhas telefônicas e internet.

A metodologia é semelhante à utilizada na Finlândia, onde ocorreu um dos erros de cálculo mais caros da história dos mercados europeus. A empresa Kinect Energy fez uma proposta de venda de energia elétrica de 5787 megawatts (MW) de capacidade a um valor negativo de 500 euros por megawatt hora (MWh). A negociação ficou válida por dez horas e causou uma queda brusca no mercado de energia finlandês.

De acordo com a Svenska Kraftnät, operadora de rede de transporte de eletricidade na Suécia, país vizinho da Finlândia, a Kinect Energy vendeu uma energia que não tinha capacidade de entregar. A Nord Pool, que lidera a administração do mercado de energia na Europa, oferecendo mercados diários e intradiários em 16 países, publicou um posicionamento emitido pela Kinect Energy. A empresa reconheceu a falha que classificou como uma “situação extrema” causada por um “erro interno”. O prejuízo estimado é de 29 milhões de euros.

De acordo com Alexandre Ramos, presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o Brasil não corre este risco com a abertura do mercado livre de energia.

“É importante frisar que o mercado brasileiro é muito diferente daquele que existe na Finlândia. Uma operação de empresas nacionais que se proponha a negociar metade do consumo de energia do país teria que oferecer um volume de eletricidade equivalente à produção de três usinas de Itaipu, o que, é claro, não é factível. Portanto, um cenário semelhante a este parece distante da realidade por aqui.

Ainda assim, há uma série de mecanismos no setor brasileiro que limitam a realização de negociações que possam causar prejuízos sistêmicos. Um deles é o próprio monitoramento da CCEE, que tem hoje a capacidade de antever e mitigar riscos no segmento. Também temos, no Brasil, uma ferramenta estrutural que é o PLD Mínimo. O Preço de Liquidação das Diferenças é utilizado como referência para a compra e venda de energia no Mercado de Curto Prazo (MCP), no qual são liquidadas as diferenças entre os agentes da CCEE. De forma simplificada, este piso serve como uma trava para que ninguém tenha interesse em negociar energia a valores mais baixos, uma vez que poderiam comercializar os seus montantes a esse preço mínimo de qualquer forma no MCP”, explica Alexandre Ramos.

No entanto, Marcelo Parodi, CEO da Enercore Trading, pontua que atualmente não existe um controle de registro de contratos futuros de energia no país. “A abertura gradual do mercado livre de energia é algo ótimo, traz competitividade, transparência e poder de escolha ao consumidor. No entanto, essa abertura deve ser precedida pela implementação de ferramentas de controle e de segurança de mercado. Contratos futuros de energia, como em qualquer outro mercado, só devem ser passíveis de registro se estiverem compatíveis com o porte financeiro das empresas envolvidas, e esse controle não existe hoje no Brasil. O mercado financeiro tem muito a ensinar ao setor elétrico, e não precisamos reinventar a roda. Como não temos uma CVM atuante no mercado de energia, cabe à CCEE assumir esse papel, e criar os instrumentos necessários para que consumidores não comprem uma energia que nunca será entregue. Os processos de monitoramento avaliados pela CCEE se limitam a um horizonte de prazo irrisório, de apenas seis meses futuros”, diz o executivo.

Alexandre Ramos detalha que a CCEE atua em conjunto com o Ministério de Minas e Energia e com a ANEEL para que todas as decisões sejam tomadas com cautela e garantam que os consumidores não sejam prejudicados. “Estamos trabalhando em outras pautas que visam reforçar a segurança no ambiente de comercialização livre e simplificar o processo de migração. Em novembro de 2023, nós iniciamos o período sombra do monitoramento prudencial, que tornará as operações ainda mais seguras e transparentes, nos dando uma visão maior da capacidade de os agentes honrarem os compromissos firmados no mercado. Estamos evoluindo na implementação da Migração de Carga Simplificada, que facilita os processos de inclusão e modelagem de ativos na CCEE.

Notadamente, o monitoramento prudencial é um novo paradigma na garantia da segurança e da sustentabilidade da comercialização de energia no Brasil. Com o modelo, pela primeira vez, teremos uma visão das operações futuras dos agentes que atuam no mercado e poderemos antecipar e dar publicidade para os níveis de risco atrelados a cada empresa, de forma que não só possamos intervir rapidamente para evitar situações que prejudiquem o ambiente de negócios como os próprios participantes do segmento terão uma visão mais clara sobre outros grupos com os quais têm interesse de fechar parcerias”, acrescenta o presidente da CCEE.

De acordo com uma projeção feita pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, a mudança no mercado de energia pode fazer com que “até 72 mil novos consumidores” façam parte do sistema. A quantidade é praticamente o dobro da quantidade atual de cerca de 37 mil unidades, entre supermercados, farmácias, padarias e escritórios, por exemplo. Segundo dados da ANEEL, mais de 10 mil empresas já informaram às distribuidoras que têm interesse em fazer o processo de migração a partir de janeiro de 2024.

“A CCEE está pronta para garantir uma abertura de mercado eficiente e tranquila aos envolvidos. No entanto, é importante que as comercializadoras e distribuidoras mantenham-se comprometidas com as etapas que lhes cabem. Cada agente tem um papel importante no esforço para migração das novas unidades consumidoras para o ambiente e contamos com o suporte de todos para que possamos oferecer uma excelente experiência para quem ingressar no segmento. Temos certeza de que, com a contribuição de todos, a abertura do ambiente livre para a alta tensão em janeiro de 2024 será um grande sucesso, mais uma vez comprovando os resultados benéficos do trabalho coordenado entre as instituições setoriais com os agentes do mercado em benefício da sociedade”, conclui Alexandre Ramos.

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