A discussão sobre a matriz energética e a gestão sustentável dos recursos hídricos tem ganhado destaque nos últimos anos, especialmente no contexto brasileiro, marcado por desafios ambientais e imperativo de desenvolvimento de fontes renováveis de energia. Nesse cenário, as Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH) emergem como peças-chaves para garantir uma transição energética eficiente e responsável.
As CGH constituem uma alternativa promissora no contexto da geração de energia. Essas pequenas usinas têm menor impacto ambiental e social, uma vez que ocupam áreas mais reduzidas e, muitas vezes, utilizam o potencial de rios de menor porte, sendo possível até aproveitar mananciais utilizados para a captação de água. Além disso, sua operação é mais flexível, permitindo uma resposta ágil à demanda energética.
Em São Paulo, com uma demanda energética crescente, está em operação, de forma pioneira no país, uma CGH fruto da parceria entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a Tecniplan e a Servtec Energia. O Sistema Cantareira, considerado um dos maiores sistemas de abastecimento de água global, ilustra a vitalidade dos recursos hídricos em diversas esferas.
O Cantareira fornece água potável a aproximadamente 8,5 milhões de habitantes na Região Metropolitana de São Paulo, assegurando expressivos 58% do abastecimento exclusivo do município paulistano, segundo dados do governo de São Paulo. Além disso, pode representar mais um polo de energia sustentável.
A vanguarda desse movimento é representada pela usina do Guaraú, estrategicamente situada a montante da estação de tratamento de água (ETA). Nesse ponto crucial, a água antes direcionada para as válvulas dissipadoras de energia (para “quebrar” a força da água), agora é encaminhada para turbinas que convertem a energia hidráulica em eletricidade. A unidade tem uma capacidade de geração de 4,1 megawatts (MW), contribuindo para uma matriz energética limpa que o Brasil já tem e pode avançar muito mais. Trata-se de mitigação das emissões de dióxido de carbono, contribuindo para a redução de 12.700 toneladas de CO2 anualmente.
Além disso, a eletricidade gerada pela usina do Guaraú, suficiente para atender o consumo de 330 residências por uma hora, não se limita apenas a um benefício ambiental. A energia gerada pela CGH é comercializada com uma operadora de telefonia, consolidando-se como parte de um ambiente dinâmico de novos negócios. Ainda no mesmo sistema está a CGH Cascata, com capacidade instalada de 2,9 MW, e que atua de forma complementar à iniciativa.
O exemplo do Cantareira merece ser replicado em outras regiões. A convergência eficiente dessas funções, não só reforça a resiliência do sistema, mas também sinaliza um futuro promissor na intersecção entre as demandas hídricas e energéticas, evidenciando que a sustentabilidade pode florescer quando se abraça a multiplicidade de usos dos recursos naturais.
A autossuficiência energética é algo a ser perseguido por todos os meios. As estações de tratamento de água (ETE) com diferenças de cotas para os corpos hídricos que recebem o efluente tratado, também podem ser incrementadas com turbinas geradoras de energia e que ainda melhoram a oxigenação deste fluido.
Diante dos desafios ambientais e energéticos, as CGH integradas no saneamento emergem como protagonistas na construção de um futuro sustentável. O investimento e o incentivo a essas soluções de economia circular não apenas impulsionam a economia, mas também asseguram um legado ambiental positivo para as gerações futuras.
*Ex-presidente da Sabesp (2007/2011), professor da FGV, onde coordena o Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais (Ceisa) e sócio da GO Associados.