Regulação depende de consenso entre interesses e prioridades, diz Isabela Morbach

O avanço da descarbonização da economia brasileira depende essencialmente de engajamento social, público e privado, fator que impacta os valores dos investimentos e negociação de regras para regulamentar o setor de Energia.

A busca por um alinhamento entre os players é complexa, dada a diversidade de fontes de energias renováveis disponíveis no Brasil. Uma série de projetos está nas pautas dos poderes Executivo e Legislativo. Entre as alternativas para a transição está a captura e o armazenamento de Carbono.

Conversamos com Isabela Morbach, diretora da CCS Brasil e coordenadora do GT do Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA), sobre os desafios, impactos e alternativas para a descarbonização. Isabela é especialista em direito econômico, mestre em direito financeiro e doutora em planejamento energético.

Durante cinco anos, a executiva do setor de Energia foi pesquisadora do Research Centre For Greenhouse Gas Innovation (RCGI), da Universidade de São Paulo, onde pesquisou sobre regulação de captura e armazenamento geológico de CO2 e outras tecnologias para redução de emissões, bem como políticas de incentivo e mercado de carbono para implementação de projetos de carbon removal.

Isabela Morbach avalia que “o grande desafio atual é o estabelecimento de um consenso que contemple tantos interesses e prioridades”.

Confira a entrevista completa:

Qual o papel da iniciativa privada no financiamento de projetos de energias renováveis?

 A iniciativa privada é essencial no financiamento de projetos de energias renováveis para, de fato, destravar os projetos planejados e fazer sua implementação ganhar escala. O famoso “sair do papel”. A iniciativa privada faz isso fornecendo capital, inovação e expertise que impulsionam o setor. Investimentos diretos em projetos, pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, emissão de ações e dívida nos mercados de capitais, e financiamento bancário são algumas das vias através das quais a iniciativa privada catalisa a transição energética. Além disso, o crescente foco em sustentabilidade corporativa leva a compromissos de longo prazo com energias limpas, enquanto parcerias público-privadas podem expandir o alcance e a eficiência do investimento.

Como e por que outros países contribuem para o avanço da descarbonização no Brasil?

Outros países contribuem para o avanço da descarbonização no Brasil por meio de uma combinação de colaborações estratégicas, uma delas e talvez a mais importante é o investimento (aplicação de recursos) em projetos e iniciativas nacionais. Outra forma importante de contribuição é o compartilhamento de conhecimento.

Por que outros países investem no Brasil?

 Penso que são muitas as razões. Do ponto de vista ambiental e climático, o Brasil é um país chave na luta global contra as mudanças climáticas, abrigando a maior parte da Floresta Amazônica que é vital para a regulação dos gases de efeito estufa e para a biodiversidade, além de ter um enorme potencial para outras formas de remoção de CO2 da atmosfera, como BECCS (Biomass Energy with Carbon Capture and Storage: sistemas de bioenergia com captura e armazenamento de carbono) e DACCS (Direct Air Capture with Carbon Storage: remoção de carbono do ar).

Do ponto de vista de negócio, o avanço da descarbonização no Brasil oferece oportunidades para empresas estrangeiras que desenvolvem tecnologias sustentáveis, como energias renováveis e soluções de eficiência energética. Investimentos e parcerias podem ajudar essas empresas a entrar no mercado brasileiro, promovendo ao mesmo tempo práticas de negócios sustentáveis.

Além disso, muitas nações têm compromissos sob acordos internacionais, que muitas vezes incluem financiamento e apoio técnico para países em desenvolvimento, como o Brasil, para ajudá-los a alcançar suas metas de redução de emissões.

Quais os obstáculos para a regulação do setor de energia?

A regulação do setor de energia é complexa e enfrenta múltiplos obstáculos, principalmente devido à diversidade de fontes de energia renovável em desenvolvimento, como solar, eólica, hidrogênio sustentável e biogás, e ao amplo ² grande desafio atual é o estabelecimento de um consenso que contemple tantos interesses e prioridades.

Qual é a situação da regulação do hidrogênio verde?

 O tema regulação de hidrogênio avançou de forma notória. Isso fica claro quando vemos a quantidade de grupos de trabalho, Poder Executivo e Legislativo, as reuniões desses grupos e as diversas iniciativas de projetos de lei para regular. Ou seja, tem muita atenção voltada para o tema, muita gente com capacidade técnica discutindo, creio que não demora para chegarmos a um consenso e aprovarmos um marco regulatório.

A captura de carbono também depende de regulação?

 Sim, depende totalmente, uma vez que o armazenamento de CO2 envolve a utilização de reservatórios geológicos que, na legislação brasileira, são bens públicos e, portanto, sua exploração ou utilização precisa estar amparada na lei. A legislação precisa prever de que forma outorgamos o reservatório para um agente privado explorar. Junto com isso, precisamos saber quais são as condições que devem ser observadas para realizar essa atividade (regulamentação) e quem será a autoridade reguladora competente para estabelecer tais regramentos. E por aí vai.

Como você avalia esta situação?

 Creio que estamos avançando bem no Poder Legislativo com os projetos de lei que tratam de CCS. Recentemente o PL 1.425/2022 que estabelece o Marco Regulatório de CCS foi aprovado no Senado e já está na Câmara para ser apreciado na Comissão de Minas e Energia. Com o tema ganhando cada vez mais espaço e relevância no mundo, a tendência é que o projeto continue sua trajetória legislativa, sem perder tração.

Outro exemplo recente é o Projeto de Lei dos Combustíveis do Futuro que traz dispositivos sobre a regulação de CCS (Carbon Capture & Storage: captura de carbono, a partir das emissões de processos industriais, e e armazenamento em formações geológicas subterrâneas.). Esse projeto já nasce com grande apelo, dados todos os recentes anúncios sobre a capacidade e as políticas de incentivo aos biocombustíveis no Brasil. Portanto, de forma geral, eu vejo a situação atual com otimismo e creio que o tema vai avançar em termos legais e regulatórios.

Como o mercado financeiro avalia o atual cenário nacional da transição energética?

O mercado financeiro tende a avaliar o cenário da transição energética nacional levando em consideração uma série de fatores, que incluem a estabilidade e previsibilidade do marco regulatório, o potencial de retorno sobre o investimento em fontes renováveis e o alinhamento do país com tendências globais de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas.

No Brasil, por exemplo, o mercado pode ver a transição energética com um misto de otimismo e cautela. O otimismo vem do reconhecimento do país como uma potência em energia renovável, dada a sua já substancial matriz energética limpa e renovável, amplas fontes naturais para a expansão de energias como a solar e eólica, e o potencial emergente do hidrogênio verde e do biogás. Além disso, o Brasil tem um histórico de inovação no setor energético, como com a produção de biocombustíveis.

A cautela, por outro lado, pode surgir de incertezas políticas e econômicas, que podem afetar as políticas de energia a longo prazo e a consistência de incentivos para investimentos em energias renováveis. Questões relacionadas à infraestrutura existente e à necessidade de investimentos em rede para acomodar uma maior participação de fontes renováveis intermitentes também podem influenciar essa avaliação.

Em resumo, me parece que os investidores estão cada vez mais atentos a fatores ESG (ambientais, sociais e de governança), e a transição energética no Brasil é vista como uma oportunidade para atender a esses critérios. Entretanto, continuam vigilantes quanto aos riscos associados, incluindo o potencial impacto de regulamentações e os riscos socioeconômicos que podem afetar projetos de energia renovável. É por isso que há tanta expectativa sobre a edição de marcos regulatórios, pois o estabelecimento claro em lei oferece segurança jurídica e reduz a percepção do risco, que é sempre precificado pelo mercado financeiro.

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